Revista Alentejo

O SÍTIO DO CROMELEQUE DOS ALMENDRES, uma proposta de intervenção paisagística
António Carlos Silva, Arqueólogo

Em número recente da REVISTA ALENTEJO, o arqueólogo Manuel Calado chamou a atenção dos leitores no artigo “As paisagens invisíveis: menires do Alentejo Central” para o universo dos “menires”, uma das mais extraordinárias valências do património arqueológico do território alentejano, ainda que de identificação e reconhecimento muito recente. Com efeito, apesar da monumentalidade e presença de algumas das estruturas que hoje conhecemos, afinal as mais antigas formas de “arquitectura”, os menires e os cromeleques tinham sido ignorados pelos arqueólogos que durante quase um Século se debruçaram sobre o estudo das numerosas “Antas” alentejanas. Foi preciso esperar pelos anos sessenta do Século XX para que Henrique Leonor de Pina, identificasse nas “pedras talhas” dos Almendres, aquela que seria apenas a primeira de uma longa série de importantes descobertas. Ainda que o título do artigo referido remetesse também para esta invisibilidade, aliás muito comum em “Arqueologia” (muitas vezes só encontramos aquilo que estamos de facto preparados para encontrar...), julgamos que ao referir-se às “paisagens invisíveis”, M.Calado se estava também a referir a uma outra percepção que, só muito recentemente, a investigação começou a trazer para o espectro do “visível”. Construídas por comunidades de agricultores e pastores, estas primeiras formas de intervenção física do Homem na estruturação do território, representam antes de mais tentativas primordiais de apropriação e dominação de um espaço que afinal lhe era tão vital como hostil. Mas, simultaneamente, na forma que hoje conservam, representam apenas um fragmento de uma realidade extremamente complexa, que passava também pelos povoados,_ hoje reduzidos a ínfimos vestígios _ pelos locais dos mortos, as antas, por vezes reunidas em verdadeiras “necrópoles”, e finalmente, pela própria paisagem, com os seus principais acidentes ou fenómenos bem demarcados na linha do horizonte ou na abóbada celeste. Num contexto territorial hoje profundamente alterado, quase invisível portanto, resta ao “arqueólogo”, um exercício especulativo quase impossível, sobre o significado e motivação que poderá estar contido na escolha do lugar, na estrutura ou mesmo nos detalhes do que hoje resta do monumento original. Pese embora a extrema dificuldade do tema, alguns arqueólogos procuram para estes dilemas a resposta possível, sendo particularmente exemplar no que respeita aos Almendres e aos possíveis significados do seu posicionamento geográfico tão especial, o trabalho recente de Pedro Alvim, “Memires, Paisagem, Paisagens: os Almendres e a Serra de Monfurado”. De facto, quer a orientação geral dos menires _no sentido Nascente Poente_ quer a linha de festo em que estão implantados, quer a evidente relação visual que proporciona, entre o movimento dos astros (Sol e Lua) e alguns acidentes naturais na linha do horizonte, com especial relevo para a Serra de Ossa, revelam, por parte dos seus construtores pré-.históricos, um domínio consciente da percepção do espaço e de algum modo, uma tentativa de reestruturação e de controle material desse mesmo espaço, como forma de integração social do indivíduo na sua própria comunidade e desta no mundo envolvente.

Consciente do especial significado do Cromeleque dos Almendres, da sua evidente monumentalidade e, sobretudo, da crescente e por vezes excessiva e desregrada curiosidade turística que provoca, Andrea Morgenstern, uma arquitecta paisagista alemã residente na Boa Fé, viria a desenvolver e a apresentar como trabalho académico de final de curso (2005), na Technische Universitaet Berlin, uma proposta de intervenção paisagística para o “sítio do Cromeleque dos Almendres”, publicamente divulgada em sessão muito concorrida que teve lugar na Sede do Grupo ProÉvora no passado dia 24 de Maio. Partindo, precisamente, das últimas investigações sobre estes monumentos e do entendimento do seu papel enquanto a parte “construída” de um sistema simbólico muito mais vasto que integraria a própria paisagem natural envolvente, Andrea Morgenstern, acaba por propor uma intervenção magistralmente minimalista. Afastando do monumento toda a parafernália habitual das musealizações e dos “alindamentos paisagísticos” hoje tão em voga, propõe-se essencialmente, para além da necessária e urgente reposição do solo erosionado e da recuperação da sua vegetação herbácea natural, proporcionar espaço livre para que o monumento, ao ser visionado nos dias de hoje, possa pelo menos sugerir, alguns dos possíveis “alinhamentos” ou “orientações” do passado. Para tanto, o indispensável “parque de estacionamento” deverá afastar-se tanto quanto possível e os acessos, obrigatoriamente pedonais e com um mínimo de “construção”, deverão permitir uma descoberta gradual e diferenciada do monumento, partindo de ângulos diferentes. Por sua vez, a informação interpretativa deve ser proporcionada ao visitante, no próprio parque de estacionamento, devendo usar suportes elementares, não só por razões de integração num meio preferencialmente natural, não construído, mas também para reflectir a precariedade das nossas interpretações actuais.

A apresentação pública da proposta da Arquitecta Andrea, para além da sua inegável e interessante componente técnica, acabaria por revelar-se muito oportuna, dado o contexto temporal em que surgiu, nomeadamente em pleno período de discussão pública da nova proposta de PDM para o município de Évora, e na qual a Herdade dos Almendres aparece identificada como zona vocacionada para um empreendimento turístico. De facto, a presença na sessão, quer dos promotores, quer de representantes da autarquia (políticos e técnicos) e de vários organismos públicos (CCDRA, IPPAR, etc...) mostrou o interesse e a sensibilidade do tema para os eborenses. Não estando em causa o potencial turístico da referida Herdade (embora se possa questionar o modelo tipo “ressort” que parece estar nas intenções dos promotores), parece ter ficado claro para todos os presentes, graças à intervenção de Andrea Morgenstern, que a salvaguarda do Cromeleque dos Almendres e do seu especial significado arqueológico passa mais por uma ampla reserva e protecção do seu especial enquadramento paisagístico, do que pela construção de sofisticados “centros interpretativos”... E passará também, mas essa é uma outra temática, pela urgente tomada de medidas de conservação, quer do solo envolvente quer dos próprios menires, alguns apresentando já graves patologias.

 

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