Causas


#08
 
(PUBLICADO NO DIÁRIO DO SUL)

Prof.ª Arq.ª Aurora Carapinha
ESTUDO NÃO RESPEITA O ESPAÇO E O TEMPO DA CIDADE

A Prof.ª Arq.ª Aurora Carapinha, da Universidade de Évora, foi a convidada do Grupo Pro-Évora para comentar o estudo da Parque Expo nesta segunda sessão do debate que promovemos.

Aurora Carapinha começou por destacar o valor identitário que a cidade de Évora constitui e que é condição primeira para pensarmos o seu futuro. Retomando a crítica que fizera no debate da sessão anterior, considerou que o estudo «não é inovador e assenta num conceito ultrapassado» por ser inadequado à realidade do Centro Histórico de Évora. Fundamentou esta posição numa ideia de Françoise Choay (reconhecida autoridade internacional em matéria de património e urbanismo): «o património (conservar, valorizar, qualificar – note-se que não uso os termos revitalizar, revalorizar…) pode dar resposta a um dos grandes problemas antropológicos dos nossos dias, que é a anulação das diferenças, a supremacia do homogéneo, do uniforme, que a mundialização tem criado», disse a oradora.

Nas suas palavras, «actuar, gerir sobre o património é sobretudo readquirir, e passo a citar [F. Choay], “a competência de produzir e de continuar a produzir diferenças; ou, dito de outra maneira, as competências universais das quais emergiram a riqueza das identidades culturais das diferentes sociedades do mundo.” Ora o presente estudo, na minha opinião, não revela esta atitude de produzir a diferença nem de valorizar a diferença de que este património é portador. Senão, vejamos e permitam-me que aqui entre num campo que me é muito caro, a ocupação dos vazios que se situam no interior do centro histórico Falamos dos espaços abertos que são tão concretos, individualizados, significantes e identitários como os cheios (os volumes edificados que os delimitam). Constituem um sistema indissociável do tecido edificado, completam-se e reforçam-se mutuamente».

Segundo a Prof.ª Aurora Carapinha, o modelo adoptado no estudo «não respeita nem o espaço nem o tempo da cidade» e denota «uma ausência de compreensão do seu processo construtivo»: «é fundamental que estes espaços sejam reconhecidos enquanto estrutura indissociável do espaço urbano onde se integram. Eles pertencem ao contínuo cultural, ao sistema de elementos e conjuntos arquitectónicos (sob esta designação referimo-nos tanto aos volumes edificados como aos vazios) que constituem uma representação e expressão da cultura, que está associada à cidade, que funciona como um sistema de referenciação do espaço e do tempo. A ocupação destes vazios, a forma como é feita [no estudo] – ao não reconhecer a lógica do processo construtivo do lote e do quarteirão que, quanto a nós, foram determinantes na definição da espacialidade e da identidade do centro histórico de Évora – determina o desaparecimento da imagem que caracteriza a cidade histórica portuguesa.» Entre outros exemplos do estudo, apontou a incompreensão da função do muro no tecido urbano e a construção perpendicular às vias, quando ela é tradicionalmente paralela – veja-se o que se preconiza para a Quinta do Paím ou para a zona do actual hospital.

«Estamos, pois, perante uma proposta que se concretiza em dois momentos fortes de descaracterização do tecido urbano de Évora. Com a ocupação por edificação destas áreas, a estrutura verde da cidade ficará bastante reduzida não só em área mas sobretudo no seu papel fundamental de sistema estruturante contínuo e articulação entre as várias realidades urbanas dispersas, fragmentadas, em que Évora se constrói na actualidade; também a sua função ecológica (conjunto de trocas fundamentais ao nível dos ciclos da água, do ar e do solo) ficará comprometida. E é preciso fazer notar que o aumento de área da estrutura verde que é enunciado no documento não contabiliza aquilo que se perde, assim como a visão que se defende de estrutura verde é mais um somatório de pequenas intervenções (espaços verdes residuais) do que a noção e um conceito de estrutura contínua».

«O anacronismo do estudo em análise reflecte-se ainda na forma como se olha para o património e como se pretende geri-lo (visão aceitável nos anos sessenta, mas completamente peregrina nos dias de hoje). É notória a sacralização que o estudo propõe da Acrópole, referenciando-a quase como o único valor emblemático do Centro Histórico, negando assim o valor patrimonial do conjunto e sobretudo das continuidades e relações que as diferentes camadas e momentos históricos fundaram neste espaço. Sacralização essa muito tributária de uma exploração turística – visão esta que está presente em todo o estudo, revelando mais uma vez que o património não é reconhecido como um recurso (pela diferença que oferece), mas mais como um cenário».

Para Aurora Carapinha, o turismo é uma consequência, ou um sucedâneo, das vivências e das características patrimoniais da cidade, e não uma imposição condicionadora dessas vivências. Se a intervenção for dirigida à população, o turismo aproveita. Como recurso, o património «constrói-se mais de dentro para fora, ou seja: é criando oportunidades de bem-estar para as comunidades residentes que vivem e morrem neste centro histórico e nesta cidade – cidade do conhecimento, da cultura, infra-estruturada ao nível das novas tecnologias, assente em energias limpas, sustentável ecologicamente, plena de urbanidade, onde o peão é o protagonista – que a singularizamos, que lhe acrescentamos valor e possibilidade de futuro e se funda posteriormente uma valência turística». Ou seja, o inverso do que o estudo propõe.

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