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10-6-1968 «CORVO»
Usando da imaginação:
Delírio no Monumental com os ROLLING STONES
LISBOA, 17--A vinda dos Rolling, Stones, a Portugal, foi esperada sempe com u maior ansiedade da parte aa juventude, que viu por fim realizados os seus intentos, dado que a vinda desse extraordinário conjunto, que
conseguiu superar os Beatles, se tornou realidade
0 aeroporto da Portela, verificou hoje pela manhã uma, enchente de jovens adolescentes e da qual faziam parte muitas raparigas que queriam assístir à chegada dos seus
ídolos cabeludos, para lhes darem as boas-vindasi, de modo a que esses musicóIogos ingleses vissem logo de pricípio que os esperava um ”sIogan” com a frase: «Estão entre Amigos».
Os olhos estavam cravados no céu. e,
embora falassem agitados, todos tinham os ouvidos à escuta. A impaciência omeçava a absorver a multidão, mas finalmente apareceu o desejado avião que transportava os tão desejados «seres sobreriaturais» (para as raparigas,
claro está!).
A euforia contagiou-~se ràpidamente, mas atingiu o apogeu quando os cinco componentes da orquestra se dirigiam para a gare após terem descido do avião.
Apesar dos reforçados cordões de polícias que
protegiam os jovens compositoreo, o sexo fraco mostrou-se forte conseguindo derrubar os guarda-costas dos «Stones», no intuito de tocar ou beijar esses ídolos sagrados. Mas, isso não podia durar eternamente e oe «Rolling
Stones» conseguiram, por fim, chegar à gare, onde os seus admiradores foram repelidos.
No entanto estes jovens não vieram a Portugal só para verem a maneira como eram recebidos; vieram sim mostrar ao povo português as
suas qualidades como compositores, como músicos e como intérpretes das suas próprias composições. 0 Monumental foi a casa de espectáculos escolhida para o efeito, talvez por ser o melhor teatro de Portugal e já ter recebido
parte dos grandes Intérpretes da música moderna.
0 «Show» estava marcado para as 21.30 horas, mas para nós começou mesmo antes de se abrir o palco. Raparigas estremamente belas, de longos cabelos compridos, entre os 15 e
os 17 anos, constituíam 75% dos espectadores.
Não era estranho ver mini-saias, (mini é a palavra da moda, excepto para os rapazes no que diz respeito ao cabelo).
Já há muito não havia uma cadeira vaga, quando o
palco abriu finalinente ante os aplausos da assisténcia, que julgava ver surgir os «Rolling Stone». Breve ficava dissuadida quando os microfones se anunciava que começaria por actuar um conjunto pouco conhecido entre nós, mas
que em alguns países já conquistara a juventude - «Ike and Tina Turner».
Este conjunto, formado essencialmente por dois elementos, mas acompanhado por uma grande orquestra conseguiu arrancar entusiásticos aplausos da
parte do público com as suas interpretações: «River deep - Moutain High» e <Foul of love». Com esta última acabou a sua actuação, retirando-se do palco entre palmas, vivas, flores e chocolates.
Seguidamente entrou em
cena outro grupo um pouco mais conhecido que o anterior, e composto por cinco elementos - «Yard Blrds». Este -conjunto, conhecido como dos melhores instrumentistas do gênero obteve grandes ovações, mas ainda não tinha terminado
os últimos acordes arrancados das violas e da bateria, e já se ouviam os gritos: «Quernos os Stones! Queremos os Stones!».
No momento em que estes. surgiram em cena, milhares de raparigas impelidas. por uma força
incontrolável, avançaram pela plateia e saltaram para o palco, a fim de beijar a abraçar esses deuses eférneros.
Foi a muito custo que as forças policiais conseguiram salvar osi ídolos das garras, daquela onda de
idolatria, mas mesmo assim foi preciso anunciar aos microfones de dsse modo o espectáculo não continuaria. Com este aviso a assistência acalmou, dignando-se ocupar os seus lugares, a fim de começar a actuar a orquestra.
Conscientes de que dominavam plenamente aqueIa massa de jovens, os «Rolling S,tones» conseguiram elevar a onda de excitação colectiva ao rubro. «She's a rainbow», uma das canções que alcançaram mais êxito, tentava chegar aos,
ouvidos do público, mas os gritos estridentes e desesperados de 1500 raparigas não deixavam ouvir uma única palavra. 0s musicos, entretanto, continuavam a tocar com indiferença (visto já estarem habituados a estas recepções),
mas vendo-se constantemente atacados por uma ou outra rapariga que conseguia subir ao palco devido à distracção de algum dos. muitos guarda-costas dos músicos. Era vulgar ver os dois componentes Mick Jagger (a cabeça do grupo e
o cantor) e Brian Jones (o viola-baixa) serem abraçados e beijados por alguma «teen-ager», mais, indifrentes, e continuavam a representar os seus papéis nas músicas que estavam a tocar.
Lágrimas rolavam no rosto de
raparigas, já sem noção do que se passava à sua volta. Ouviam-se quase que orações implorando um olhar ou um gesto desses deuses do ritmo.
Aqui, uma loira de 15 anos, de olhos claros, que, incapaz de levar ao fim o seu
esforço, desfalecia, perante a indiferença de toidos, e ficava, meio inconsciente, soluçando; ali, outra que envergando um bizarro vestido onde se lia: «I love Keith» (Keith Richard, o viola-solo do grupo), soluçava sobre o
palco, com os braços estendidos em prece.
No final, ao som, de «It's all over now». o grupo foi alvo de urna das maiores manifestações de popularidade que tem tido ao longo da sua carreira, e de uma ovação que fez
estremecer as sólidas paredes do Monumental.
-E -será isto a juventude de agora? Mick Jagger dIsse-nos numa entrevista:
- «É uma moda. Dentro em pouco deixará de existir, e escolherão outras distracções. Nós
somos, talvez, únicamente, o canal através do qual os jovens manifestam os seus anseios e os seus recalcamentoo. Eles gostam da nossa música. e nós pretendemos dar aquilo de que eles goetam».
António João Ferreira Pinto Basto
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